buffon em londres

Relatos esporádicos de uma existência em Londres

Wednesday, December 20, 2006

Parabéns, senhor Jacinto

Hoje faz anos o senhor Jacinto. Eu não sei bem quantos faz, mas acho que já passou os 65. O senhor Jacinto é mecânico de máquinas pesadas e, pelo porte, quase acreditamos que poderia levantá-las sozinho. A verdade não estará longe: as mãos dele sobram quando aperta a minha e só pela voz seria capaz de fazer saltar um camião. Ao senhor Jacinto pesam menos os anos e mais as mazelas da vida. Pais severos, infância difícil, ofícios rudes e um retorno forçado à metrópole, deixando para trás haveres e décadas de ventura, fincaram-lhe traços visíveis na cara e nos olhos exagerados pelos óculos. Há quatro anos, um disparo mal medido, seguido de outro assarapantado, enfiaram-lhe uns tantos chumbos na pele. O alvo, ao meio das pernas, não poderia ter sido mais delicado. O senhor Jacinto, que em Angola só fazia pontaria à caça grossa, foi desta vez a presa. Felizmente, sobreviveu, inteiro e viril. E nem o chumbo nos ditos o deitou abaixo. O senhor Jacinto é um herói para muita gente, a começar pelos netos. Três gerações diferentes pediram ao Pai Natal as retroescavadoras, as gruas e os cilindros que viram na garagem do avô. Eles não têm melhor amigo, colo e consolo. Mas também estremecem quando a voz trovoa de zangada. O senhor Jacinto é um poço de experiência e sabedoria e uma enciclopédia de histórias reais, como aquela em que viu uma lula de 30 toneladas. Sobra-lhe para a pesca a paciência que não tem para comer o que apanha no anzol. E esbanja no vinho e no tabaco a saúde que ainda tem para gastar. Mas a sua maior felicidade é ver nos outros um sorriso. Como este que temos hoje ao desejar-lhe: conte muitos!

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